Precisamos do outro para ser feliz, ou melhor, só poderemos ser verdadeiramente alegres através do semelhante? Esta é uma ideia a que o homem vem se apegando veementemente, principalmente nesta era moderna, chamada de homocêntrica - devido ao seu desejo acentuado de megalomania, como se fosse o doador da felicidade, para não dizer da própria vida (Filosofia Existencialista).
Eu tenho notado que é fundamental a percepção de que tudo de que fizermos parte permanece e volta para nós. Estou dizendo que somente a atitude de bondade pode agir no exterior - pois qualquer alteração, omissão ou negação a ela redunda em mal-estar ou em impedimento à própria vida. Quando se fala: “Eu gosto de determinada pessoa”, estou dizendo: tenho amor para dar; deste modo, posso amar os outros porque aceito, inclusive, o amor que tenho a mim mesmo.
Mas, se agirmos ao contrário, negando o afeto, entraremos pela senda da intolerância, pois a intransigência que uma pessoa manifestar para com outra é exatamente a mesma que tem a si própria. Se formos mal-intencionados com algum indivíduo, estaremos agindo exatamente assim conosco mesmos.
O que somos? Nossa neurose, psicose, doença, engano, erro? Não, o que somos é a verdade, a realidade, a maior magnificência de toda a criação - e o chamado mal é apenas uma atitude de omissão, negação ou de deturpação dessa maravilhosa realidade.
Estamos ligados a tudo o que é maior, mais belo e melhor do que nós - nossa doença é só a atitude de querer desligar essa incrível união. Não nascemos para o infortúnio e a desonra, mas para a glória e felicidade; nossa verdadeira existência não é o martírio e o sofrimento, mas a alegria e satisfação; não nascemos para o opróbrio*, mas para a realização, pois nosso Criador é o que de mais rico existe, o que de melhor, mais belo e agradável poderia haver.
O universo existe por causa da luz e beleza e não das trevas e opressão - estas últimas são infindáveis condutas de um ser finito que, mesmo se negando para a glorificação, apenas aumenta de glória a beleza eterna de Deus.
Se a sanidade e a felicidade estão ao nosso alcance, por que não as aceitamos? Não as aceitamos porque achamos que sofreremos com isso - que teríamos que aceitar a bondade, que não fomos nós que criamos - e aceitar isso importa em passar por cima da inveja, ira e raiva, para ter sentimentos de gratidão a Deus. E os sentimentos de gratidão a Ele são a nossa felicidade; os nossos sentimentos de aceitação são a verdadeira vida, que é o amor.
Para viver bem, temos de aceitar a vida; porém, para isso, somos obrigados a renunciar à nossa megalomania, para ver que a existência é uma doação que recebemos de quem é o seu único dono. Porém, ao aceitá-la, viveremos a verdade e beleza, e isto é incrivelmente maravilhoso.
Quando aceitamos o que recebemos do Criador, imediatamente estabelecemos contato com a verdade e o belo, permitindo-nos ser bons - e esse contato é o amor, que é o processo de usufruir o bem (que se difunde de si), tornando-nos melhores e conseguindo difundir tal bondade aos outros - pois o bem é sempre uma difusão, uma expansão que extravasa o ser.
Existimos por causa da bondade do Criador, que a extravasou - e esse contato com Ele faz-nos expandir também com os outros - pois o contato é sempre um ato de amor. Ao aceitar a bondade, tornamo-nos bons e essa bondade nos dá alegria.
Só poderemos ser felizes ao aceitar a bondade que nos vem de fora, formando um elo com ela - e, evidentemente, produzindo outros elos, sem fim, no tempo e espaço, formando uma enorme comunhão com bilhões de bilhões de criaturas que se unem para contemplar a glória infinita de Deus.
*opróbrio = degradação
Fonte: KEPPE, Norberto da Rocha. A Glorificação. São Paulo: Editora Proton, 2019.
Reflexão: Se a sanidade e a felicidade estão ao nosso alcance, por que não as aceitamos?
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